Publicado em 07/09/2020 às 14:00, Atualizado em 07/09/2020 às 10:37

Um em cada quatro brasileiros não tem certeza se tomará vacina, mostra pesquisa

Houve maior índice de hesitantes na faixa etária dos 25 aos 34 anos e entre pessoas da religião evangélica

Redação,
Cb image default
5% relataram que não receberão o imunizante de jeito nenhum - Foto: Divulgação

Enquanto milhões em todo o mundo torcem para a rápida aprovação de uma vacina contra a covid, um em cada quatro brasileiros resiste à ideia de tomar o imunizante quando ele for registrado.

É o que mostra uma pesquisa inédita da ONG Avaaz feita pelo Ibope.

Mil pessoas foram entrevistadas entre os dias 27 e 29 de agosto em todas as regiões do País.

Do total de participantes, 75% disseram que tomarão a vacina com certeza, 20% afirmaram que talvez tomem e 5% relataram que não receberão o imunizante de jeito nenhum - o que indica, portanto, 25% de recusa ou incerteza sobre a imunização.

A margem de erro da pesquisa é de três pontos porcentuais, para mais ou para menos.

Houve maior índice de hesitantes na faixa etária dos 25 aos 34 anos (34%) e entre pessoas da religião evangélica (36%).

Não houve diferença significativa das respostas segundo sexo, raça/cor, escolaridade e renda.

O Ibope também buscou saber as razões para a recusa ou desconfiança na vacina.

Entre as principais estão dúvidas quanto à segurança e à eficácia do imunizante e teorias da conspiração das mais diversas, como a de manipulação genética ou implantação de um chip por meio da vacina e até a hipótese de que o produto seria feito com fetos abortados.

Tais narrativas - sem nenhuma evidência científica e já desmentidas por agências de checagem - são comuns em postagens nas redes sociais que propagam fake news.

Para Laura Moraes, coordenadora de campanhas da Avaaz no Brasil, a disseminação de desinformação sobre covid-19 já está ameaçando uma eventual política de vacinação contra o coronavírus.

"Os números da pesquisa são assustadores. Mostram que, antes mesmo de termos uma vacina aprovada, alguns grupos já estão articulados nas redes para espalhar informações falsas, sem embasamento teórico ou científico, que colocam medo nas pessoas", disse.

O medo é, de fato, um dos principais recursos das postagens contrárias à vacina. O Estadão acompanhou nas últimas semanas dois dos maiores grupos antivacina no Facebook. Juntos, eles têm 22 mil seguidores.

Além das teorias já mencionadas, são comuns fotos de bebês com doenças supostamente atribuídas à vacinação, sem nenhuma comprovação da relação.

Também é frequente o compartilhamento de vídeos com falas de supostos especialistas estrangeiros alertando sobre riscos do imunizante.

Faz parte da estratégia ainda realizar montagens sobre imagens de canais de TV, mantendo os apresentadores e alterando o conteúdo da tela para uma mensagem alarmista contra a vacinação.

"Por mais que essas publicações pareçam absurdas pelos filtros racionais, elas tentam mexer com a emoção das pessoas. Quando colocam supostos especialistas estrangeiros, buscam mais credibilidade e apostam no fato de que a checagem desses conteúdos é mais difícil", diz João Henrique Rafael, analista de comunicação do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeiro Preto e idealizador da União Pró-Vacina, coalizão que atua no combate à desinformação sobre imunização.

O grupo observou aumento nas postagens contra a vacina da covid-19 nos dois grupos do Facebook monitorados. Em maio, foram 18 publicações. Em julho, o número subiu para 87.

Para Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), nem todos os que resistem à vacinação são participantes de movimentos antivacinas ou negacionistas da ciência.

Em grande parte dos casos, diz ela, os hesitantes têm dúvidas comuns sobre o processo de desenvolvimento de um imunizante. "É uma vacina nova, que está sendo desenvolvida em tempo recorde, é normal as pessoas terem dúvidas", diz.

Para os especialistas, é preciso que governos, comunidade científica e plataformas de tecnologia melhorem a comunicação com a população para esclarecer as dúvidas, diminuindo, assim, a lacuna ocupada hoje por peças de desinformação.

Bolsonaristas impulsionam desinformação nas redes

Nas redes sociais, teorias conspiratórias sem nenhum vínculo com a realidade alimentam a propagação de falsas alegações sobre a segurança e os efeitos das vacinas.

Antes restritos a certos nichos, os rumores sobre o tema ganharam impulso no Brasil graças à estratégia bolsonarista de politizar o debate em torno da pandemia da covid-19.

Desde que o novo coronavírus chegou ao País, o Estadão Verifica, núcleo de checagem de fatos do Estadão, já publicou desmentidos sobre 27 boatos infundados sobre o tema - parte desse trabalho foi feito em parceria com o projeto Comprova, coalizão de veículos de mídia que combate a desinformação nas redes sociais

O monitoramento das redes, uma das etapas do trabalho de checagem, aponta um salto no volume de publicações antivacina depois da declaração do presidente Jair Bolsonaro de que ninguém será obrigado a se imunizar contra covid-19.

O universo das campanhas de desinformação contra as vacinas é multifacetado.

Nele estão desde grupos que celebram a "medicina alternativa" e encaram com desconfiança tudo o que vem da indústria farmacêutica até movimentos claramente alinhados a grupos políticos.

Em março, perfis de redes sociais alinhados à esquerda espalharam a informação falsa de que Cuba teria inventado uma vacina contra covid-19.

Foi uma forma de usar a pandemia para fazer propaganda ideológica do regime comunista adotado pela ilha caribenha.

Do lado direito do espectro político, os rumores são mais numerosos e variados, mas quase sempre com traços em comum: discurso "antissistema" e desprezo à ciência.

Xenofobia

O bilionário Bill Gates é alvo frequente da ala mais à direita. No início de agosto, circulou no Facebook uma postagem que relacionava o fundador da Microsoft a um projeto para "alterar o DNA" das pessoas com vacinas, com o objetivo de "escravizar a humanidade".

Simpatizantes de Bolsonaro costumam associar a pandemia a uma estratégia chinesa de dominação mundial.

Esses grupos também impulsionam boatos e teorias falsas sobre as vacinas que a China busca produzir contra a doença.

Na segunda semana de agosto, um dos boatos desmentidos pelo Estadão Verifica afirmava que a "vacina chinesa" contém nanochips que serão injetados na corrente sanguínea das pessoas para monitorar sua localização por meio da tecnologia de conexão móvel 5G.

A chamada vacina de Oxford, feita na Inglaterra, não escapou dos ataques. Um deles procurou estabelecer um elo entre o combate à pandemia e a prática do aborto - tema que costuma inflamar grupos religiosos.

No fim de julho, um texto enganoso espalhado principalmente pelo Twitter insinuava que a produção do medicamento incluía células de fetos abortados.

Declaração do presidente é vista como aval por grupos antivacina

A declaração dada nesta semana pelo presidente Jair Bolsonaro sobre a não obrigatoriedade da vacina da covid-19 movimentou grupos nas redes sociais contra os imunizantes.

Um dos integrantes desses grupos criou um abaixo-assinado pedindo a revogação da obrigatoriedade das vacinas, que existe apenas para crianças no País.

"Esses grupos enxergaram como um aceno a fala do presidente e a posterior publicação da Secom (Secretaria de Comunicação do governo federal, que endossou a fala de Bolsonaro em um post nas redes sociais)", diz João Henrique Rafael, analista de comunicação do Instituto de Estudos Avançados da USP Ribeirão Preto e idealizador da União Pró-Vacina.

"Os grupos que há mais tempo se posicionam contra vacinas nas redes são poucos e não têm grande engajamento. A diferença agora é que o tema foi sequestrado pela política. Boatos contra as vacinas estão muito associados a grupos que se alinham politicamente a quem é contra a vacina, que defendem liberdades individuais acima do bem-estar coletivo ou que ainda negam a existência da pandemia", diz Sérgio Lüdtke, editor do projeto Comprovacoalizão de 24 veículos de imprensa, incluindo o Estadão, que checa e desmente boatos nas redes sociais.

Conteúdo - Estadão