Publicado em 21/05/2017 às 12:01, Atualizado em 21/05/2017 às 12:03

ONU se opõe a projeto de lei brasileiro que criminaliza transmissão do HIV

Para a representante da pasta federal, o PL não contribui em nada para melhorar a resposta do Brasil à epidemia de HIV/AIDS.

Redação,

Projeto de Lei 198/15 torna crime hediondo a transmissão deliberada do vírus da AIDS. Proposta será encaminhada para audiência pública, segundo decisão tomada nesta semana pelo presidente da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara (CSSF), o deputado Hiran Gonçalves, em reunião com o Ministério da Saúde e o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS no Brasil (UNAIDS).

Tanto para a pasta federal, quanto para a agência da ONU, nova legislação contribuiria para afastar as pessoas dos serviços de saúde e reforçaria estigma associado aos portadores de HIV.

Em reunião com o presidente da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara (CSSF), o deputado Hiran Gonçalves, a diretora do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS no Brasil (UNAIDS), Georgiana Braga-Orillard, criticou o Projeto de Lei 198/15 – que torna crime hediondo a transmissão deliberada do vírus da AIDS.

Dirigente expôs o posicionamento da ONU sobre o tema. Encontro foi concluído com o deferimento de um pedido de audiência pública para discutir o PL com a sociedade.

Também participou do encontro a diretora do Departamento de ISTs, HIV/AIDS e Hepatites Virais (DIAHV), Adele Benzaken, do Ministério da Saúde.

Para a representante da pasta federal, o PL não contribui em nada para melhorar a resposta do Brasil à epidemia de HIV/AIDS.

"Porque, exatamente, pode estigmatizar ainda mais as pessoas que vivem com o HIV, fazendo com que elas se afastem dos serviços de saúde (diagnóstico e testagem)", explicou.

A chefe do DIAHV explicou que, com o tratamento garantido pelo SUS, uma pessoa que toma os medicamentos reduz a quase zero as chances de transmissão do vírus para outras pessoas.

A gestora teme, entretanto, que se existir uma lei que criminalize a transmissão, as pessoas terão medo até de saber se têm ou não têm o vírus.

"Isso vai afetar o trabalho que o Ministério da Saúde vem fazendo para ampliar o diagnóstico e iniciar o tratamento precoce das pessoas que vivem com o vírus, única forma de evitar que essas pessoas adoeçam e transmitam o vírus para as demais", disse.

Para ONU, projeto de lei é obsoleto

Para Georgiana, a lei coloca por terra os esforços do governo federal para conter a AIDS. A diretora do organismo das Nações Unidas lembrou, ainda, que vários países que adotaram medidas semelhantes no passado voltaram atrás.

"A proposta de projeto de lei é obsoleta. Ela foi elaborada em 1999 e não leva em conta os avanços nos esforços contra a epidemia.

Além de ser uma violação dos direitos da pessoa vivendo com HIV, o projeto afasta as pessoas do sistema de saúde", apontou a especialista.

Georgiana destacou também que as mulheres são as primeiras a serem penalizadas. "As mulheres fazem o teste com mais frequência, principalmente quando estão grávidas.

Os homens buscam menos o sistema de saúde para conhecer sua sorologia. A criminalização penaliza quem primeiramente tem um resultado reagente."

Hiram Gonçalves explicou que a Câmara é um lugar para o debate e lembrou que, na sociedade, as pessoas têm visões diferentes sobre diversos assuntos. "Aqui é nosso trabalho ouvir e debater as medidas que melhor atendam aos anseios da sociedade."

Adele concordou com o deputado e sugeriu que ele atendesse ao requerimento de colocar o projeto de lei em audiência pública, como forma de se ouvir todas as partes.

A representante do Ministério reforçou: "Precisamos trazer as pessoas para o sistema de saúde e não afastá-las ou ameaçá-las".

A gestora aproveitou a ocasião para solicitar ao presidente da CSSF que colocasse em votação na Comissão os Projetos de Lei 7.651/14 — que dispõe sobre a proibição de toda e qualquer forma de discriminação contra portadores de hepatites virais, em especial os portadores da hepatite C — e 7.658/14 — que torna obrigatória a preservação do sigilo sobre a condição de portador do vírus HIV.

UNAIDS já havia feito apelo ao Congresso Nacional

Em 2015, quando o PL 198/15 foi proposto como uma reapresentação do Projeto de Lei 130, de 1999, o UNAIDS divulgou uma nota técnica contra a medida por considerá-la um retrocesso na resposta à epidemia e por reforçar o estigma associado às pessoas vivendo com HIV.

À época, a agência da ONU fez um apelo ao Congresso Nacional, solicitando ao Legislativo a rejeição e o arquivamento do PL.

O organismo das Nações Unidas reitera que o Código Penal Brasileiro já possui dispositivos penais para as situações descritas na proposta — o que torna a nova legislação não apenas desnecessária, como também potencialmente prejudicial aos avanços do Brasil contra a AIDS.

Entre os argumentos reunidos pelo UNAIDS, está o fato de que, uma vez sob a ameaça de serem considerados criminosos e de serem presos, indivíduos tendem a fugir dos serviços de saúde, evitando o teste para o HIV e iniciando o tratamento em um estágio muito avançado da infecção — o que os torna possivelmente mais propensos a transmitir o vírus de forma involuntária.

Fonte - ONU