Publicado em 19/06/2021 às 13:29, Atualizado em 19/06/2021 às 11:32

Marco Aurélio adia saída do STF e diz que sucessor não pode ter paixões

Ministro diz que quer dedicar-se ao Judiciário e, com isso, diminuir ao máximo o número de processos que ficarão no gabinete.

Redação,
Cb image default
Foto: Rosinei Coutinho

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou que mudou a data de sua aposentadoria do cargo. Ele havia anunciado que deixaria a corte no dia 5 de julho, mas nesta sexta-feira (18) enviou um ofício ao presidente do tribunal, Luiz Fux, pedindo para adiar seu afastamento para o dia 12 de julho, quando completará 75 anos.

"Cheguei à conclusão de que não deveria virar as costas à cadeira antes da idade limite [para permanecer no serviço público], por isso disse que esperarei a undécima hora para, aí sim, implementados os 75 anos, deixar a capa de julgador que eu busquei, nesses anos, honrar", disse Marco Aurélio no UOL Entrevista, programa conduzido pelo apresentador Diego Sarza e pela colunista Carolina Brígido.

Na carta, a qual o UOL teve acesso, o ministro diz que quer dedicar-se ao Judiciário e, com isso, diminuir ao máximo o número de processos que ficarão no gabinete. Marco Aurélio também comentou que espera "pela felicidade do presidente da República" na escolha do seu sucessor no STF e ressaltou que o magistrado "não pode ter paixões".

Ainda neste tema, Marco Aurélio relembrou que o Estado é laico. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já afirmou que escolheria alguém "terrivelmente evangélico" para a vaga.

"Que se observe não a formação religiosa. Que o escolhido perceba a envergadura da cadeira -o Supremo tem a última palavra sobre o conflito de interesse- e que se sinta longe de qualquer paixão, porque o julgador não pode ter paixão", disse Marco Aurélio.

O decano afirmou ainda que estava preparado para deixar o cargo em 2016, aos 70 anos. Em 2015, porém, foi aprovada a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Bengala, que aumentou para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória.

"Embora eu seja um pouco conservador -estou casado há 49 anos com a mesma mulher-, eu viro com muita facilidade a página. Hoje, meu sentimento é de tranquilidade maior quanto ao dever cumprido, e cumprido segundo as minhas forças."

Marco Aurélio também relembrou o seu início no STF e admitiu que tem saudade dos magistrados da "velha guarda", da época em que começou a carreira, como juiz do trabalho no Ministério Público em 1975 -ele viria a ser ministro do Supremo em 1990, indicado pelo então presidente e seu primo, Fernando Collor de Mello.

"Estou há 31 anos no Supremo e tenho 42 anos como julgador em colegiado, o que eu penso que é um recorde no Brasil. Mantive esses anos todos e vou manter até os últimos o espírito irrequieto. Percebo o colegiado como uma somatória de forças distintas. Aí cabe a cada qual, com equidistância e coragem, revelar a ideia que tem sobre o caso concreto. Encerrarei dessa forma, mas muito satisfeito acima de tudo, com o sentimento de dever cumprido."

Ao avaliar a gestão Bolsonaro, Marco Aurélio evitou críticas mais incisivas, mas disse que o presidente cometeu "alguns pecadilhos", como a postura negacionista quanto à pandemia e as críticas ao STF.

"O exemplo vem de cima, e quando tem esses arroubos de retórica, não contribuem para o avanço. Não podemos pensar em fechamento das instituições, senão vamos fechar o Brasil para balanço", afirmou, em relação aos atos antidemocráticos promovidos por bolsonaristas contra a corte. Também disse que a instabilidade política vem causando um excesso de ações no STF, o que teria prós e contras.

"Eu já disse que partidos que não figuram no Congresso passam a acionar o Supremo para fustigar o governo. Isso pode ter o lado positivo, que é a liberdade das minorias, mas pode ter lado negativo, que é a potencialização desse acesso ao Judiciário. E o Supremo atua sem estar engajado nessa ou naquela política governamental ou partidária", analisou.

Questionado sobre como enxerga a possibilidade de o ex-ministro da Justiça Sergio Moro e o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa concorrerem à Presidência nas eleições de 2022, Marco Aurélio elogiou ambos.

"[Moro] Tem bagagem para isso, mas não sei se tem a penetração para reunir apoio para chegar à Presidência, que é uma caminhada complexa", disse.

"Agora, não concebo que um herói nacional como Moro, aclamado pela sociedade brasileira e com trabalho prestado no combate à corrupção, se torne execrado da noite para o dia. Alguma coisa aí no sistema não fecha", comentou ele, sobre o caso da parcialidade do ex-juiz nos processos contra o ex-presidente Lula.

Sobre Barbosa, disse que ele deixou "muito cedo" a magistratura. "Poderia estar servindo a nação como um grande juiz negro. É um homem que tem uma boa formação. É um homem letrado e, portanto, pode se apresentar. Não sei se terá votos suficientes [se for candidato a presidente em 2022]."

Sobre a CPI da Covid, o ministro reiterou os poderes investigatórios da comissão por estarem "previstos na Constituição", mas ponderou: "A atuação é válida, desde que se respeite a dignidade dos que são convocados pelos senadores. Ninguém pode ser humilhado nem na Casa Legislativa [o Congresso] nem em um órgão do Judiciário".

Fonte: FolhaPress