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06/09/2021 às 17:00, Atualizado em 06/09/2021 às 13:05

Eleição contamina reação a Bolsonaro nas ruas e trava manifestação unificada da oposição

Manifestações contrárias ao governo tendem a manter como pano de fundo o apoio ou rejeição a pré-candidatos à Presidência

As oposições a Jair Bolsonaro à esquerda e à direita convergem no discurso de que é preciso dar uma resposta também nas ruas ao ato de raiz golpista insuflado pelo presidente para este 7 de Setembro, mas, fragmentadas por interesses ligados às eleições de 2022, travam na falta de uma reação unificada.

Com a contaminação, manifestações contrárias ao governo tendem a manter como pano de fundo o apoio ou rejeição a pré-candidatos à Presidência.

Oficialmente, líderes de movimentos e de partidos por trás das convocações falam que as pautas não se misturam, mas nos bastidores as resistências são muitas.

Bolsonaro e aliados têm se esmerado nos chamados para os atos do Dia da Independência, na próxima terça-feira, e buscam reunir multidões para embasar a retórica de amplo apoio popular.

Pesquisa Datafolha de julho mostrou recorde na reprovação do presidente, rejeitado por 51% dos brasileiros.

O evento bolsonarista ocorre em meio a uma série de reveses para o governo, com reações de outros Poderes às ameaças autoritárias disparadas pelo Executivo, desembarque de setores do empresariado e do mercado, estagnação de pautas no Congresso e horizonte econômico negativo.

Os principais palcos dos atos favoráveis serão a avenida Paulista e a capital federal.

Bolsonaro, que confirmou presença nos dois locais, anuncia o levante como algo histórico e dissimula as pretensões de ruptura da ordem institucional e democrática que estão na raiz da mobilização.

À frente de quatro protestos de oposição desde maio, a Campanha Nacional Fora Bolsonaro tem forte influência do PT e de setores que apoiam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atual líder das pesquisas.

O fórum é composto majoritariamente por partidos e coletivos de esquerda.

Ao longo do tempo, no entanto, o grupo conseguiu adesões de forças não alinhadas a Lula, com a participação de instâncias de legendas como PSDB e Cidadania, do PDT do presidenciável Ciro Gomes, crítico da candidatura do petista, e dos movimentos Acredito, Agora! e Livres.

A campanha tem manifestações nacionais também neste dia 7, organizadas em conjunto com o Grito dos Excluídos, promovido tradicionalmente na data por alas da Igreja Católica.

Até esta sexta-feira (3), balanço parcial contabilizava a previsão de 176 atos em 168 cidades e quatro países.

Em São Paulo, o ato será no vale do Anhangabaú, escolhido após uma disputa pela avenida Paulista, que está reservada para os bolsonaristas, e um embate judicial com a gestão João Doria (PSDB), que chegou a proibir a realização no mesmo dia de protestos contra Bolsonaro, mas recuou.

Lula cogitou comparecer à manifestação, mas a chance hoje é considerada baixa.

"Tenho consciência de que nosso ato do dia 7 não vai ser grande", diz o líder estadual do Acredito, Marco Martins, que tem atuado pela aproximação de campos ideológicos. "Criou-se um clima de medo que é favorável ao bolsonarismo, mas precisamos estar lá e mostrar disposição de lutar pela democracia."

Martins admite também obstáculos para atos organizados por forças antagônicas no debate eleitoral.

"Defendo que se coloquem as diferenças de lado pela democracia. Falta abrir mão [de interesses] por uma coisa maior, mas é difícil dissociar de 2022", diz ele, que é filiado à Rede Sustentabilidade.

Porta-vozes da campanha chegaram a conversar com MBL (Movimento Brasil Livre) e VPR (Vem Pra Rua), mas as divergências prevaleceram.

Enquanto a esquerda remói mágoas com os grupos pelas marchas a favor do impeachment de Dilma Rousseff (PT), no outro lado a rejeição ao PT é regra.

MBL e VPR anunciaram em julho um protesto contra Bolsonaro para 12 de setembro, o domingo pós-feriado.

Nos últimos dias, a mobilização ganhou conotação de apoio a uma terceira via para 2022, ancorada no mote "nem Lula nem Bolsonaro".

"Sempre deixei claro que sou a favor da ampliação, mas o que ouço de muita gente [na Campanha Fora Bolsonaro] é que há um desconforto de andar ao lado de quem está contra o Lula", diz Raimundo Bonfim, coordenador da CMP (Central de Movimentos Populares) e filiado ao PT.

Em conversas internas, mobilizadores tanto do dia 7 quanto do dia 12 avaliaram ser grande a chance de uma manifestação volumosa dos apoiadores do presidente, com o efeito colateral de que uma adesão menor aos atos contrários pode facilitar discursos distorcidos de Bolsonaro.

"Nós não estamos em um campeonato de uma partida só", afirma Bonfim, usando a analogia do futebol para sustentar que os protestos dos detratores têm ocorrido com regularidade e participação satisfatória, pulverizados por capitais e cidades médias no Brasil, além de outros países.

"É equivocado imaginar que apenas o Supremo [Tribunal Federal] e o Congresso são suficientes para barrar uma aventura golpista. A pressão das ruas é fundamental, um elemento indispensável", diz o representante da CMP.

Apesar dos acenos para fora, a participação na capital paulista dos diretórios municipais de PSDB e PDT foi atacada por integrantes do PCO.

Militantes do partido chegaram a agredir tucanos na avenida Paulista em 3 de julho. Apoiadores de Ciro Gomes também relataram hostilidades.

O presidente do PSDB paulistano, Fernando Alfredo, diz que mantém a participação tucana nos atos dos dias 7 e 12, mas que a presença não tem caráter eleitoral.

O diretório municipal anunciou ao longo da semana apoio a Doria nas prévias da legenda que escolherão o candidato a presidente.

"Estaremos em qualquer manifestação contra Bolsonaro, a favor da vida e da democracia. Não estamos indo para a rua para ideologia partidária ou para defender nome [de postulante]", afirma.

O presidente do diretório municipal do PDT, Antonio Neto, também prega a necessidade de deixar de lado a questão eleitoral e cobra maturidade das organizações envolvidas.

"Estamos perdendo de vista o inimigo principal, que para mim é Bolsonaro. Se nos somássemos, teríamos mais força", diz.

Ele acusa de hipocrisia os setores que rechaçam contato com a direita sob o argumento de que ela patrocinou o chamado golpe contra Dilma.

"Lula conversa com Renan [Calheiros], com Eunício [Oliveira]", lembra, citando políticos que estiveram nas articulações pelo impeachment.

Neto ecoa ainda a tese, difundida inclusive na esquerda, de que o PT não estaria tão empenhado assim na derrubada de Bolsonaro, mas apenas interessado em enfraquecê-lo o máximo possível até 2022 para polarizar o primeiro turno.

A cúpula petista tem contestado a crítica e dito que ela não procede.

Segundo o dirigente do PDT, o diretório avalia participar do ato do dia 12, mas recomendou que filiados evitem ir às manifestações contra Bolsonaro na terça-feira por causa do risco de confrontos e violência nas ruas.

O PSB, que também se juntou às passeatas mais recentes da oposição, foi outro partido que desestimulou a ida de seus integrantes no dia 7 sob o argumento da insegurança.

Ao oficializar a orientação, o presidente nacional da sigla, Carlos Siqueira, sugeriu a realização em 19 de setembro "de uma grande manifestação de todas as forças políticas democráticas, juntamente com as organizações da sociedade civil que se opõem a pretensões ditatoriais" de Bolsonaro.

À reportagem ele diz que pensou na data porque até lá daria tempo de organizar e mobilizar o ato.

A Campanha Fora Bolsonaro não definiu ainda o dia do protesto seguinte ao de terça.

Embora diga que "os atos devem ter a maior amplitude possível" e reunir "todos os que são contra Bolsonaro", Siqueira descarta adesão ao dia 12.

"Não podemos estar juntos com o MBL. É outra linha. Estamos com a esquerda, sempre que possível." O PSB é dado como certo pelo PT na aliança de 2022.

"Infelizmente, a questão eleitoral acaba por aparecer e atrapalhar. Minha avaliação é a de que estamos em um momento que não é esquerda versus direita, mas, sim, democracia versus autoritarismo. Sem negar as contradições [entre grupos], mas essa é a questão central", afirma o líder do PSB.

Segundo o coordenador nacional do MBL, Renan Santos, é "óbvio que a eleição contamina a percepção das pessoas sobre as manifestações", mas a do grupo passa longe de aspectos eleitorais. "Nosso foco é o 'fora, Bolsonaro'", resume. Ele afirma que o MBL não apoia candidato específico da terceira via.

"Estamos trabalhando com o mínimo denominador comum, que é o 'fora, Bolsonaro', para dar certo. A preocupação é que as pessoas compareçam e que seja um ato bonito. Não estamos escolhendo o público. Queremos mostrar que existe espaço para uma manifestação diferente das que estão aí", diz.

Representantes de partidos e pré-candidatos que tentam fabricar uma candidatura alternativa a Bolsonaro e Lula endossam o chamado para o dia 12.

São os casos de Novo e PSL e de nomes aventados por esse campo, como os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Simone Tebet (MDB-MS).

Doria, que também busca se cacifar como o político capaz de representar esse polo, divulgou o ato e estimulou a comparação do público na Paulista nas convocações pró e anti-Bolsonaro.

Ao anunciar a decisão da Secretaria da Segurança Pública, depois cancelada, de vetar manifestações antagônicas no Dia da Independência, o tucano disse que a oposição ao presidente poderia ir às ruas no dia 12.

A fala irritou líderes da Campanha Fora Bolsonaro, que já estavam com o dia 7 agendado.

Para Santos, do MBL, unificação pode até ser discutida, mas com cláusulas.

"Estamos abertos para conversar. Mas todos têm que estar dispostos a concessões. Não poderia cada um ficar brigando para pôr caminhão de som, faixa, bandeira. Precisaria 'baixar as armas' e se concentrar no foco principal."

A porta-voz do VPR, Luciana Alberto, diz considerar uma convergência difícil, mas não impossível. "É preciso ter diálogo, maturidade", afirma ela, partidária da terceira via.

"Mas normalmente as manifestações de esquerda acabam sendo em defesa da candidatura de Lula."

Mesmo sem o engajamento da esquerda na organização, o ato do dia 12 poderá atrair simpatizantes desse campo ávidos por darem uma resposta à articulação bolsonarista do dia 7, crê a coordenadora do VPR.

"Há um sentimento latente de negação aos radicais e extremistas que estão com Bolsonaro", diz ela.

Com informações da FolhaPress

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