Publicado em 19/06/2025 às 07:00, Atualizado em 18/06/2025 às 19:51
No ato da assinatura dos acordos, as verbas rescisórias devidas às vítimas foram quitadas em espécie, com acompanhamento do procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes e de auditores-fiscais que atuaram no caso
O resgate de sete trabalhadores de origem paraguaia, submetidos a situação degradante de labor na zona rural do município de Bonito, teve como desfecho a assinatura de três Termos de Ajuste de Conduta (TACs), firmados no último dia 12 junto ao Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS).
Nesses acordos, o proprietário de uma fazenda se comprometeu a indenizar todas as vítimas pelos danos morais individuais provocados, em valores que variam entre R$ 60 mil e R$ 90 mil. As quantias foram calculadas com base na remuneração de cada trabalhador e representam 20 vezes o salário definido à época dos fatos.
As vítimas foram identificadas durante inspeção conjunta do MPT-MS e Fiscalização do Trabalho, com apoio da Polícia Militar Ambiental e da Polícia do MPU, realizada no dia 9 de junho na propriedade que se destina à criação de bovinos para corte e cultivo agrícola.
Em 2017, essa fazenda foi alvo de outra investigação, em que se constatou recorrentes atrasos no pagamento de salários e resultou na celebração de acordo para a quitação das dívidas trabalhistas.
No ato da assinatura dos acordos, as verbas rescisórias devidas às vítimas foram quitadas em espécie, com acompanhamento do procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes e de auditores-fiscais que atuaram no caso.
O empregador também assumiu a responsabilidade de efetuar o registro retroativo de todos os imigrantes, além de fornecer documentação e custear as respectivas despesas necessárias para os desligamentos formais, tanto no Brasil quanto no exterior, conforme planilha elaborada pela Fiscalização do Trabalho.
O acordo ainda determina o recolhimento integral do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), referente aos períodos retroativos de vínculo, bem como a multa adicional de 40% sobre o saldo fundiário de cada trabalhador.
O proprietário rural terá um prazo de até 120 dias para consolidar esses recolhimentos por meio do aplicativo FGTS Digital, devendo comprovar o cumprimento dessa obrigação no procedimento instaurado pelo MPT-MS.
Além das reparações financeiras às vítimas e à sociedade, o fazendeiro pactuou um conjunto amplo de 20 obrigações de fazer e de não fazer, que tem como objetivo promover medidas estruturantes no local e erradicar práticas abusivas de trabalho. O acordo vincula todas as empresas pertencentes ao grupo econômico do empregador.
Entre os compromissos ajustados no dia 12 de junho, destacam-se: registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente de todos os trabalhadores resgatados e proibição de manter outros empregados sem vínculo formal de labor; fornecimento gratuito de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), adequados aos riscos de cada atividade; realização de exames médicos admissionais e periódicos; disponibilizar material para a prestação de primeiros socorros, sob responsabilidade de pessoa treinada para esse fim; viabilizar áreas de vivência compostas de instalações sanitárias, locais para refeição e dormitórios compatíveis com a legislação trabalhista; promover treinamento para operadores de máquinas e equipamentos; deixar de manter empregado submetido a regime de trabalho forçado e/ou reduzido à condição análoga à de escravo; garantir aos trabalhadores migrantes transporte gratuito de ida e retorno das suas origens até o local onde serão prestados os serviços, além de outras obrigações.
Reparação dos danos
O descumprimento de qualquer cláusula do acordo acarretará multa de 100% sobre o montante devido, além de sanções que podem chegar a R$ 9 mil por infração, valor este dobrado em caso de mortes ou lesões graves relacionadas às condições de trabalho. Os recursos das penalidades aplicadas, segundo o acordo, serão revertidos a campanhas educativas ou destinados a entidade pública ou privada sem fins lucrativos.
O documento também prevê que o pagamento das multas não isenta o empregador do cumprimento das obrigações principais.
Barracos de lona e dívida antecipada
Em depoimento colhido na própria fazenda em Bonito, um dos trabalhadores paraguaios revelou detalhes sobre a rotina de exploração à qual o grupo era submetido.
A vítima contou que há mais de dez anos realiza serviços diversos na propriedade rural, incluindo construção de cercas, roçadas e limpeza de campo. Durante esse período, nunca teve registro em carteira. Na mais recente empreitada, iniciada em janeiro deste ano, ele e os demais trabalhadores foram recrutados por um funcionário da fazenda, ainda em território paraguaio.
Segundo a vítima, parte do grupo se deslocou até Bonito de motocicleta, enquanto os demais vieram de ônibus até o referido município, de onde foram levados à fazenda em um caminhão providenciado pelo funcionário da propriedade rural. Logo no início, o empregador antecipou R$ 6 mil para cobrir custos com transporte e apoio às famílias, quantia que acabou transformando-se em uma dívida inicial. “Já chegamos devendo”, lembra o depoente.
No local, os trabalhadores montaram barracos improvisados com troncos de árvores e lonas plásticas. Eles dormiam em “tarimbas” – camas feitas com galhos – e utilizavam colchões velhos trazidos do Paraguai. Sem acesso a banheiro, faziam as necessidades fisiológicas no mato, bebiam água de um córrego – armazenada em galões de óleo reutilizados – e tomavam banho ao ar livre. Não havia energia elétrica nem qualquer infraestrutura básica.
Os trabalhadores nunca receberam Equipamentos de Proteção Individual, embora operassem motosserras sem qualquer tipo de capacitação. Já o pagamento pelos serviços prestados era de R$ 20 por poste ou em diárias oscilando entre R$ 100 e R$ 150.
Ainda de acordo com o depoente, nenhum dos sete paraguaios era registrado. Apenas os funcionários fixos da fazenda, que atuavam com o gado, tinham vínculo formal. Os estrangeiros ficavam encarregados da parte de cercamento, isolados da estrutura da propriedade rural. Mesmo em atividades arriscadas, como o manuseio de ferramentas pesadas, não realizavam exames médicos admissionais nem dispunham de kit de primeiros socorros.
Ele também disse que o retorno para casa ocorria a cada 40 dias, com breves descansos junto às suas famílias em Bella Vista Norte, Paraguai. Todos os custos com transporte eram arcados pelos próprios trabalhadores.
Para o procurador Paulo Douglas Moraes, os acordos refletem o compromisso institucional com a proteção dos trabalhadores e a responsabilização dos infratores. “Esses instrumentos não apenas reparam danos, mas transformam realidades. São marcos para evitar que a lógica da exploração volte a prevalecer no campo”, declarou Moraes.