Publicado em 18/07/2020 às 14:00, Atualizado em 18/07/2020 às 10:46

Indígenas são resgatados de trabalho em fazenda em condição parecida com escravidão

O empregador ainda deverá demonstrar a anotação dos vínculos diretos de emprego com os trabalhadores.

Redação,

Grupo de 24 trabalhadores da etnia Guarani Kaiowá foi resgatado pelo Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul, após identificação de condição análoga à de escravo, em alojamento na zona rural de Itaquiraí. Entre estes, havia quatro adolescentes, além de familiares, incluindo seis crianças com idade entre 2 e 15 anos.

Equipe do MPT identificou que o grupo foi aliciado para colheita de mandioca e dormia em alojamento precário. Eles foram envolvidos por um empreiteiro que ofereceu R$ 100 por dia para a colheita de mandioca.

No local, os auditores identificaram diversas irregularidades como alojamento precário, formado por cômodos pequenos com colchões velhos espalhados pelo chão, falta de ambiente adequado para preparo e consumo de refeições, uso de fogareiros e fogões a gás no interior de cômodos que serviam como dormitórios, ausência de registro em carteira, não fornecimento de equipamentos de proteção individual, moradia coletiva de três famílias em apenas um espaço, condições precárias de higiene em ambientes com intensa aglomeração, assim como ausência de medidas de prevenção ao coronavírus.

Além disso, os indígenas também eram obrigados a adquirir mercadorias superfaturadas em supermercado perto da propriedade rural e a pagar aluguel pelo alojamento, além de terem custeado o transporte das aldeias Amambai, Cerrito, Limão Verde e Porto Lindo até a fazenda.

De imediato, os trabalhadores receberam os valores correspondentes às produções realizadas pela atividade de colheita de mandioca e retornaram sem custos às aldeias de origem, localizadas em Amambai, Japorã e Eldorado.

No dia 10 de julho, o proprietário da fazenda foi notificado pelo procurador Jeferson Pereira, do MPT-MS, para que encaminhe os comprovantes de pagamento das verbas rescisórias dos indígenas, bem como as cópias das guias de recolhimento previdenciário e fundiário em relação aos trabalhadores. O empregador ainda deverá demonstrar a anotação dos vínculos diretos de emprego com os trabalhadores.

Os auditores-fiscais do trabalho cadastraram os dados dos indígenas resgatados junto ao portal www.gov.br/trabalho/pt-br, para fins de concessão do auxílio Seguro-Desemprego Trabalhador Resgatado (três parcelas, cada uma no valor de um salário-mínimo) e lavraram autos de infração que serão entregues ao empregador na próxima semana.

Já o Ministério Público do Trabalho adotará as providências cabíveis para responsabilização trabalhista do infrator e garantia dos direitos das vítimas. Medidas para responsabilização criminal devem ser empreendidas pelo Ministério Público Federal.

O MPT destaca que em Mato Grosso do Sul, a escravidão moderna se concentra no meio rural e pode ser reconhecida quando constatada a submissão a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas, a condições degradantes de trabalho ou a servidões por dívida. Trata-se de formas de exploração que violentam a própria natureza humana dos trabalhadores, ao subtraírem os mais básicos direitos, como alimentação, higiene e exercício de um trabalho digno.

Conforme o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, uma ferramenta digital desenvolvida pelo MPT e pela Organização Internacional do Trabalho-Brasil, entre 2003 e 2018, mais de 2,6 mil pessoas foram resgatadas em condições análogas às de escravo no Estado de Mato Grosso do Sul, o que corresponde a uma média de 167 vítimas por ano. O perfil dos casos também comprova que o analfabetismo ou a baixa escolaridade tornam o indivíduo mais vulnerável a esse tipo de exploração, já que em torno de 60% das vítimas no estado se declararam analfabetas. A maioria é do sexo masculino, com idade que varia entre 18 e 24 anos. Quase 90% das vítimas eram trabalhadores agropecuários.

O Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, do Ministério da Economia, mostra que desde 1995 o governo brasileiro flagrou mais de 54 mil pessoas laborando como escravos modernos.

O combate ao trabalho escravo moderno exige a adoção de medidas positivas pelo Estado, contemplando a implementação de ações preventivas e de repressão. A exploração de trabalhadores nessas situações gera repercussões administrativas, cíveis e criminais. As penalidades vão desde multas administrativas aplicadas por auditores-fiscais até a responsabilização do empregador pelo crime previsto no artigo 149 do Código Penal brasileiro, com pena de reclusão de até oito anos.

Fonte - Ministério Público do Trabalho