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24/05/2023 às 13:34, Atualizado em 24/05/2023 às 11:48

MPF denuncia União e fazendeiros por "comprar" área que já era terra indígena

Na ação é pedido que os compradores sejam condenados a indenizar comunidade indígena em R$ 3,2 milhões

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A situação "nômade" atinge toda a comunidade Ofaié-Xavante. Em 2017, 40 indígenas da etnia firmaram acordo para ocupação da Fazenda Santana, em Brasilândia - Divulgação

Após um acordo feito em 2002 em que fazendeiros venderam uma área de 1.937 hectares, em Brasilândia, para indígenas Ofaié-Xavante, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública contra a União e os 10 produtores rurais, já que a área vendida era demarcada como território originário, ou seja, não poderia ser vendida, ainda mais para seus próprios donos.

De acordo com o alegado pelo Ministério Público, o acordo foi feito à margem da lei e deve ser anulado, já que os indígenas pagaram por terras que já eram demarcadas como dos povos originários.

Na época, os nativos pagaram R$ 1,6 milhões para terem direito à posse das terras, valor que foi repassado para para os 10 fazendeiros que possuíam cinco fazendas em cima da terra ancestral. Dessa forma, o MPF pede que a União e os proprietários sejam condenados a pagar R$ 3,2 milhões por danos morais e materiais.

Ainda conforme o órgão ministerial, a transação entre os fazendeiros e os indígenas prejudicou a comunidade porque os indivíduos tiveram que pagar por terras já demarcadas e, de acordo com a Constituição Federal, os territórios marcados como indígenas não podem ser vendidos ou cedidos para terceiros.

O processo ainda aponta que a necessidade de adquirir as terras se deu porque as pessoas da etnia Ofaié-Xavante ficaram sem seu território, demarcado em 1924, e ocupava as terras que foram parcialmente inundadas pela construção da Usina Hidrelétrica Porto Primavera, atual Sérgio Motta. A inundação aconteceu em 1994, dois anos depois do Ministério da Justiça declarar as terras como pertencentes aos povos originários.

O valor usado para a compra das terras foi dado à comunidade indígena pela Central Elétrica do Sul e São Paulo (Cesp), responsável pela usina, como forma de compensação para a Associação dos Índios Ofaié-Xavante. A ideia inicial era que os recursos fossem usados para a aquisição de uma área rural em que fosse possível o grupo elaborar projetos agropecuários e de subsistência.

Além disso, a responsável pelo empreendimento hidrelétrico também comprou uma área de 484 hectares ao lado da área declarada como indígenam e a doou, posteriormente, à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como forma de reserva.

O que também contribuiu para a decisão de adquirir as terras dos 10 fazendeiros foi o fato de que o território onde foram colocados após o alagamento da hidrelétrica não atendia as necessidades e modo de vida da comunidade. Um dos principais problemas era a falta de um curso d' água natural

A procuradora da República Luísa Astarita Sangoi, aponta que a situação, “além de ser uma violência cultural praticada, torna a vida dessa comunidade insustentável, vez que a falta d'água a impede de beneficiar-se de projetos imprescindíveis à sua sobrevivência física e cultural. A piscicultura, pecuária e agricultura, por exemplo, são atividades produtivas que requerem disponibilidade mínima de água”.

Como os indivíduos já estiveram em muitos lugares e viviam na incerteza, como vivem até hoje, a Associação foi orientada a realizar o tal acordo e transferiu o valor para os fazendeiros. O acordo chegou a ter homologação judicial, e a posse do terreno foi passada para eles no mesmo ano. Contudo, essa posse nunca foi efetiva já que o território era demarcado.

Diante de tudo isso, a Procuradoria aponta que é impossível uma área considerada como indígena ser vendida aos próprios donos. Além disso, o processo de compra e venda não chegou a ser formal, já que o acordo apenas cedia a posse à comunidade.

“Trata-se de verdadeiro negócio jurídico nulo, para dizer o mínimo. Como é possível que um povo indígena compre a propriedade/posse de terra que já lhe é reconhecida como de posse permanente?”, questiona a representante do MPF.

Assim, a comunidade não tem o título da terra que ocupa, o que é um ponto muito importante para que o gado criado pelos indígenas nesta terra seja regularizado junto à Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal do MS, já que é preciso ter o registro do imóvel em nome da comunidade.

“Não se trata de mero dissabor, mas sim de verdadeiro estado de incerteza e medo constantes. Um povo que já foi expulso do local em que vivia inúmeras vezes, já teve que habitar terras incompatíveis com seu modo de vida. Já teve que, por necessidade, subsistir por anos em função de cestas básicas entregues pelo Poder Público do estado”, ressalta a procuradora.

Com informações do Correio do Estado

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